Participar da Santa Ceia é muito mais do que comer e beber; ceiar significa tomar parte do sacrifício que Jesus fez na cruz, pois ela representa o seu corpo e o seu sangue |
Para entender melhor esse tão importante e delicado assunto, vamos analisar alguns detalhes da última Ceia de Jesus com os seus discípulos, conforme está relatado em Mateus 26:26-28:26Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo. 27E, tomando o cálice e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos. 28Porque isto é o meu sangue, o sangue do NovoTestamento[4], que é derramado por muitos, para remissão dos pecados. Nessa ocasião, mesmo sabendo que estava muito próximo de ser crucificado, Jesus se preparava para comemorar a páscoa[5]com os seus discípulos. A páscoa é uma importantíssima festa para os judeus por representar sua libertação do Egito. Porém, comemorando-a, Jesus estava não simplesmente cumprindo mais uma tradição de seu povo, mas sim instituindo, a partir daí, mais um processo de libertação: a passagem da lei[6] para a graça[7]. A páscoa, para Israel é uma ação de graças[8] pela sua liberdade, e a Santa Ceia para nós é um ato de agradecimento pelo sacrifício de Cristo na cruz que proporcionou a nossa libertação. Um servo do Senhor não pode ser autêntico se não compreender e levar a sério o significado da Santa Ceia, o qual o nosso Mestre deixou bem claro nessa passagem:
Mt 26:26Eles estavam comendo, isso significa que estavam unidos numa reunião; Jesus abençoou o pão e o partiu entre eles: isso consiste num ato de agradecimento pelo sustento divino e compartilhamento da bênção. Aprendemos aí que participar do memorial do sacrifício de Cristo representa união e amor ao próximo, desde que esse ajuntamento seja feito com reverência[9] (1ª Co 11:17-22[10]).
Mt 26:27Pegando o cálice, e mais uma vez agradecendo, Ele ordenou que todos o bebessem. Esse cálice continha vinho, e assim como o pão simboliza o seu corpo, o vinho simboliza o seu sangue. Um corpo sem sangue não teria vida; portanto, podemos ainda entender que tomando do corpo e também do sangue significa que não somente fazemos parte, mas que também vivemos ativamente como membros da Igreja; esses dois elementos são indispensáveis no ato da Santa Ceia (1ª Co 10:16,17).
Mt 26:28No Antigo Testamento, o sangue derramado de animais era trazido para o santuário pelosacerdote[11] como oferta pelo pecado. No Novo Testamento, Jesus Cristo, sendo o perfeito Sumo Sacerdote[12] por não ter pecado, fez, de forma definitiva, o perfeito sacrifício; o qual teve seu sangue derramado por muitos, os quais não eram sacerdotes, mas sim pecadores os que o mataram, representando assim o fato de que aquele que permanece no pecado é culpado pelo sangue de Cristo, que morreu por amar exatamente os pecadores; é necessário participar desse ato com mais absoluto temor, reverência, sinceridade, consciência e santificação porque o nosso Senhor não aceita dividir sua glória com ninguém (1ª Co 10:21-23[13]).
Na primeira epístola que escreveu aos coríntios, o apóstolo[14]Paulo dá um ensinamento mais detalhado sobre a importância e a condição para se participar da Ceia do Senhor, vejamos os seus principais pontos e quais as principais lições sobre os princípios cristãos que aprendemos com ela:
- (1ª Co 11:23) Foi naquela noite que Judas[15] traiu Jesus, mas saber que estava sendo traído não diminuiu seu amor pelos pecadores; nada podia impedir seu propósito. O que temos aí é uma grande lição de determinação, amor, compreensão e perdão, que são as principais características dos princípios cristãos; pois, se Ele quisesse, poderia ter impedido a traição, se vingado de Judas, destruído seus inimigos e se livrado de todo aquele sofrimento, mas se tivesse feito isso, estaria desistindo do grande propósito do plano de salvação da humanidade. A Santa Ceia nos ensina que devemos persistir em analisar se estamos cumprindo os propósitos de Deus em nossa vida (Sl 26:2[16]).
- (1ª Co 11:24) Gratidão e compartilhamento sempre estiveram entre as principais características de Jesus. Mesmo sabendo da grande agonia que passaria pelas próximas horas, Ele se manteve firme até o fim, cumprindo na prática tudo aquilo que ensinava. Essas são algumas das qualidades que sempre deverão ser lembradas juntamente com o seu sacrifício, cada vez que cearmos em memória dEle. O pão sempre foi um dos principais alimentos para os judeus, reparti-lo entre seus seguidores dizendo ser o seu corpo significa que aqueles que o comem estão se alimentando espiritualmente. A prática da Santa Ceia em memória dEle tem como objetivo não permitir que seus servos jamais se esqueçam de seu sacrifício por eles (Jo 6:48-54[17] [18]).
- (1ª Co 11:25) Depois de comerem o pão, semelhantemente também agradeceu pelo vinho e o repartiu dizendo que aquele cálice era o Novo Testamento no seu sangue, ou seja: isso representa o novo pacto que foi feito por Deus com o seu povo por meio do sangue do seu filho que seria derramado na cruz. Naquele tempo, os pactos costumavam ser concluídos através do sacrifício de animais, e nesse ato havia derramamento de sangue; no Antigo Testamento, derramar sangue como sacrifício simbolizava dar a vida daquele ser que foi sacrificado pela vida da pessoa por quem está sendo oferecido o sacrifício. Mas por que o sangue? O sangue é um líquido puro e serve como uma espécie de lubrificante dentro do corpo; sem ele, os membros não têm vida. Quando tomam o cálice da Santa Ceia, os servos de Deus estão reconhecendo que aceitaram o sacrifício de Cristo e, de certa forma, “renovando” o compromisso que firmaram com Ele quando se converteram ao Evangelho, reconhecendo também publicamente que morreram para o mundo e agora vivem por Ele e para Ele (Jo 6:55-57).
- (1ª Co 11:26) O mundo tem vários memoriais de seus personagens famosos que são “imortalizados” através de estátuas, quadros, objetos e construções, os quais mantém viva a sua memória; da mesma forma, o Filho de Deus instituiu a Santa Ceia para que seu sacrifício fosse lembrado por todas as gerações futuras, e ela tem um significado a mais que vai muito além dos memoriais humanos: ela serve não só para lembrar que Ele existiu, mas torna aqueles que participam dela como parte de sua existência, ou seja: não somos meros espectadores, somos parte do Corpo de Cristo cada vez que anunciamos sua morte. E manter viva a sua memória é também uma forma de ganharmos almas, mostrando aos pecadores o que o nosso Salvador fez por eles e como transformou a nossa vida, para que tenham uma oportunidade de não serem confundidos com as enganações do maligno (1ª Jo 2:28).
- (1ª Co 11:27) Participar da Ceia indignamente é praticar um ato sagrado sem estar vivendo de acordo com a vontade de Deus; os sacerdotes que entravam no santuário em pecado eram punidos severamente com a morte, pois deveriam se purificar e se santificar antes de oferecerem algo ao Senhor, pois eles estavam mexendo com o sangue dos sacrifícios que serviam para perdoar pecados e estavam diante de Deus; e como Ele é puro, aquele ritual exigia pureza. Tomar a Ceia estando em pecado é o mesmo que dizer: “Senhor, eu sei que tu morrestes para perdoar meus pecados, mas para mim sua morte foi em vão porque eu continuo pecando conscientemente”. Na época da lei mosaica[19], qualquer culpado de sangue, quer fosse o assassino ou o mandante do assassinato de um inocente, era punido com a morte; agora, na época da graça, a morte dos culpados pelo sangue de Cristo pode representar várias outras coisas, incluindo a pior de todas: a morte eterna, a qual é destinada àqueles que se deixam ser usados por Satanás (Jo 13:21-27[20] [21]).
- (1ª Co 11:28) Antes de se achar no direito de tocar no Corpo de Cristo para tomá-lo, é necessário um completo e detalhado autoexame de sua saúde espiritual. É importante observar que aí ele diz: “Examine-se o homem a si mesmo.”; ele não está falando para a Igreja ou a sua liderança examinar uns aos outros, mas sim para cada pessoa se julgar se está com sua vida espiritual em ordem ou não. Pois somente quem sabe de sua situação interior, além de Deus, é você mesmo. Nossa consciência é uma balança que pesa as consequências de nossos atos, permitindo-nos saber se teremos condições de suportar o peso daquilo que queremos fazer; desrespeitar esse parâmetro significa errar conscientemente e, a partir daí, somos responsáveis pelas nossas decisões e, por isso, não temos desculpas para justificar nossos pecados. Tomar a Santa Ceia indignamente, para um conhecedor da Palavra, é o mesmo que cometer um crime conhecendo a lei: mesmo que a vítima o perdoe, ainda terá que arcar com as penalidades legais. Espiritualmente falando, a melhor coisa a fazer, se estiver em pecado, é admitir seu erro, consertá-lo e, só assim, tomar parte daquilo que é sagrado (Mt 6:24[22]).
- (1ª Co 11:29) Na Igreja de Corinto[23] havia um grave problema que era a mistura das coisas sagradas com as coisas profanas[24]; pois pessoas que participavam de rituais dedicados aos ídolos mundanos estavam no meio do povo de Deus participando daquilo que é santo. Tratava-se de pessoas sem compromisso com os princípios cristãos, mas que acreditavam estar agradando verdadeiramente ao Senhor. Isso é falta de discernir o Corpo de Cristo, ou seja: falta de entender o significado do seu sacrifício e da celebração em sua memória, achando que as coisas sacrificadas aos demônios - que eles tinham como ídolos - tivessem o mesmo valor que as coisas santas e pudessem ser misturadas à elas; queriam participar do culto pagão[25] e do culto cristão ao mesmo tempo: isso é falta de discernimento ou, simplesmente, falta de saber diferenciar entre o que é puro e o que é impuro. Esse culto irracional é tão prejudicial que leva à condenação de quem o pratica; por isso, tenhamos cuidado em não contaminar o santo com o profano porque Deus não aceita sacrifícios impuros e pune aqueles que os oferecem (Rm 2:5-9[26] [27]).
- (1ª Co 11:30) Por participar da Ceia indignamente, muitos estavam fracos e doentes, e muitos já dormiam, ou seja: já haviam morrido. Não é nenhum exagero interpretar esse texto de forma literal, pois se Ananias e Safira foram mortos simplesmente por mentirem ao servo do Senhor, por que crentes negligentes não poderiam ficar fracos e doentes, chegando até mesmo a morrer literalmente? Hoje, devido a imensa graça de nosso Salvador, vemos essas palavras se cumprirem de uma forma um pouco mais branda: podemos entender que fracos são aqueles que caminham com grande dificuldade espiritual; doentes são os que estão gravemente contaminados pelo pecado; e mortos são os membros que, mesmo estando ainda no meio da igreja, já se entregaram totalmente ao mundanismo e não têm - e muitos nem se esforçam para ter- condições para resistir às armadilhas do inimigo. Essas três classes de doentes espirituais - fracos, doentes e mortos - representam três diferentes estágios pelos quais passam aqueles que, conscientemente, participam da Mesa do Senhor de forma indigna, não valorizando devidamente a importância desse ato (Sl 38:4-6[28]).
- (1ª Co 11:31) Julgar-se a si mesmo é algo muito mais complexo do que parece: trata-se de olhar para si próprio e, ao invés de ficar admirando apenas suas boas qualidades, procurar enxergar seus defeitos na intenção de corrigir seus erros; engolir o orgulho e pedir perdão em vez de persistir na arrogância de seu próprio ego; voltar atrás não se importando com o que pensam os outros, mas se preocupando em agradar ao Senhor; não se julgar infalível, mas admitir suas fraquezas e buscar sempre orientação para consertar suas falhas. Quem corrige a si mesmo evita a desagradável situação de ser corrigido pelas demais pessoas. É claro que não se pode negar que, na realidade, independentemente de estarmos certos ou errados, sempre haverá alguém, desprovido do Espírito Santo e com a língua afiada pelo Diabo, disposto a nos julgar; mas, estando nós com a consciência tranquila, não temos o que temer, porque a injustiça desse mundo nada pode contra a justiça de Deus. Nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus; porém, os que não andam em seu estreito caminho estão a mercê[29] da impiedosa justiça humana que é aquela que condena sem piedade ou chance de defesa. Participar das coisas santas exige integridade e retidão, e isso inclui julgar a si mesmo para não ter que passar pelo vexame do julgamento alheio (1ª Pe 2:15).
- (1ª Co 11:32) Obviamente, é impossível que, como seres humanos, jamais venhamos a cometer erros que desagradem ao nosso Pai; e, quando um filho erra, é natural que um pai que se preze corrija-o. E a correção - inclusive a correção de Deus -, a princípio, não parece ser nada agradável; mas, o objetivo de sua disciplina[30] não está focalizado no castigo e sim no ensinamento para que saibamos que a nossa atitude está errada e que não voltemos a cometê-la. O julgamento do Senhor, cuja finalidade é evitar nossa condenação com o mundo, muitas vezes parece ser duro e até exagerado; mas, se pararmos para analisar nossa situação como pecadores, veremos que, ainda que nos sintamos machucados, estamos sendo tratados com muito mais misericórdia do que merecemos diante do pecado que cometemos. Por isso, ao invés de questionarmos as palavras trazidas por um pregador, as profecias entregues por um servo de Deus, as atitudes tomadas pelo pastor da igreja ou os conselhos de um irmão que tenha comunhão espiritual, devemos, primeiramente, julgar nossas próprias atitudes e encarar essas correções como o privilégio imerecido de estarmos recebendo mais uma oportunidade de reparar um erro em vez de sermos destruídos fulminantemente por causa dele (Hb 12:6-11[31]).
As diversas religiões que professam o cristianismo, incluindo as inúmeras denominações evangélicas, têm diferentes interpretações e maneiras de celebrar a Ceia do Senhor; isso ocorre devido ao fato de que a Bíblia não definiu uma específica liturgia para a realização desse ritual. Alguns dos fatores aonde estão mais notáveis essas divergências são:
a) Crer que essa celebração somente deva ser feita uma vez ao ano e durante a Páscoa;
b) Acreditar que o pão e o vinho, depois de consagrados, se tornem literalmente o corpo e o sangue de Cristo. Alguns, inclusive, enterram as sobras;
c) Ler obrigatoriamente o texto bíblico de 1ª Coríntios 11:23-32 e, alguns, até ao 34;
d) Permitir que participem da Santa Ceia crentes não batizados nas águas, crentes fora de comunhão por terem cometido algum tipo de pecado, não crentes e crianças;
e) Durante a distribuição esperar que todos recebam o pão e o cálice para que todos possam comer juntos.
Mas, em sua grande maioria, as igrejas pentecostais[32] optaram pelas seguintes normas de procedimento:
a) Celebrar mensalmente, pois a Ceia não é Páscoa;
b) Considerar o pão e o vinho como símbolos do corpo e do sangue de Cristo. E não há razão para enterrar as sobras, pois Ele ressuscitou e não existe motivo para sepultá-lo novamente;
c) Por se tratar de um memorial de sua morte, pode-se ler qualquer passagem bíblica que lembre seu sacrifício na cruz. No caso de se fazer a leitura em 1ª Coríntios capítulo 11 a partir do versículo 23, não há necessidade de mencionar os versículos 33 e 34 porque eles se referem especificamente a alguns membros da igreja de Corinto naquela época que comiam desordenadamente transformando o culto em um simples banquete;
d) Somente aconselhar - e não obrigar - que apenas participem da Ceia pessoas crentes, batizadas nas águas, que estejam em comunhão com a igreja e que sejam adultas;
e) Não importa a ordem da distribuição ou do momento que se deva comer os elementos da Ceia, porque o que expressa a união entre os irmãos é o fato de estarem em comunhão uns com os outros, e não o simples detalhes de comerem juntos.
Há muitas outras questões que se considerar; mas, na verdade, o que realmente importa é participar com sinceridade e desejo ardente no coração de, a cada oportunidade, poder novamente confirmar que é um membro ativamente participante do Corpo de Cristo, mantendo uma vida de comunhão com todos e santificação diante de Deus (Hb 12:14).
Jonas M. Olímpio
[1]Ceia: Refeição da noite, janta.
[2]Memorial: Um ato ou uma obra feita em memória, ou seja: em lembrança de alguém que tenha
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